O DRAGÃO CHINÊS (The Big Boss, 1971) | REVIEW

Há pouco mais de um mês atrás eu fiz um artigo onde defendia um ponto de vista: Bruce Lee nunca fez um filme ao nível de seu talento. Antes de começar esta resenha, cabe aqui uma pequena retratação: fazia algum tempo que não assistia alguns de seus filmes – embora tenha visto e revisto sua filmografia várias vezes. Por certa culpa, tendo em vista que amo Bruce quase como um parente e, à medida que fui crescendo e amando o cinema de ação, fui compreendendo mais e mais a sua importância, decidi outra vez percorrer sua filmografia. Devo dizer, no entanto, que defendo aquele artigo. Se tivesse ao seu lado pelo menos um roteirista do naipe de Ni Kuang (IRMÃOS DE SANGUE, OS 5 VENENOS DE SHAOLIN), da Shaw Bros, ou trabalhado sob a tutela de Huang Feng (HAPKIDO, LADY WHIRLWIND), da mesma Golden Harvest, ou quando na América, tivesse atuado sob a direção de um Sam Peckinpah (MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA) ou Don Siegel (O PERSEGUIDOR IMPLACÁVEL), veríamos o seu potencial como performer ainda melhor explorado.

Porém, não devemos fazer pouco do que restou. Vamos começar do começo. Em O DRAGÃO CHINÊS (The Big Boss, 1971), sua estréia como protagonista, dirigido pelo errático Lo Wei, que também assina o roteiro junto de Lee, temos um misto de filme de kung fu, thriller e aquilo que o colega Lázaro Cassar definiria como drama proletário. Na trama, Lee interpreta Cheng Chao-an, um imigrante da China continental que é levado pelo seu tio para a Tailândia em busca de trabalho. Lá ele vai morar com seus primos, entre eles Hsu Chien (James Tien, de A LÂMINA DA MORTE, primeiro filme de John Woo), um jovem destemido que não leva desaforo pra casa, sempre disposto a dar a cara à tapa – literalmente – para livrar os outros de problemas. Fica claro desde o início que o ethos dos dois primos é o mesmo mas Cheng carrega sobre seu pescoço um amuleto dado por sua mãe. Junto deste a promessa de nunca se meter em brigas.

Por esse motivo, durante a primeira metade do filme veremos basicamente Tien assumindo o comando das cenas de ação, que, aliás, era o protagonista original do projeto. Somente quando Lo Wei foi contratado que nosso querido Dragão virou o protagonista. Com isso, também, boa parte do filme se foca na luta interna do personagem de Lee para ser um rapaz correto: ele evita arrumar confusão contra um grupo de valentões que assediam a menina chinesa (Nora Miao, em breve participação) que trabalha no quiosque em que ele e seu tio vão beber uns refrescos, não parte pra cima dos mesmos quando atacam um menino (que descobrirá em seguida ser irmão mais novo de Hsu Chien), não se mete na briga de Hsu Chien quando este salva um conhecido que estava sendo ludibriado numa casa de jogos de azar clandestina – embora o impressione ao evitar que ambos fossem “juntados” por um grupo – e ainda aceita o soco que leva de um supervisor ao cometer um deslize em seu primeiro dia de trabalho na fábrica em que trabalha.

Aliás, é importante falar sobre seu trabalho. Cheng e seus primos trabalham numa fábrica de gelo, cujo dono, o também imigrante Hsiao Mi (Han Ying-chieh, de DRAGON GATE INN, que também é co-diretor de cenas de ação junto de Lee) o “Big Boss” do título em inglês, é na verdade um contrabandista de drogas. Sua fábrica é fachada para seu lucrativo negócio e todos aqueles que não aceitam entrar no seu jogo morrem. De uma forma talvez simplória, superficial, mas ainda assim competente, o filme tenta mostrar as agruras de um bando de pessoas honestas, sobrepujadas perante um criminoso cruel – sujeito que, curiosamente, compartilha de uma mesma origem – que sonham com a possibilidade de uma vida melhor, mas que vêem seus sonhos irem por água abaixo.

Quando Cheng derruba uma das barras de gelo sem querer no chão, dois dos primos descobrem, acidentalmente, drogas escondidas dentro do mesmo. O patrão tenta, então, convencê-los a se juntar a organização, na tentativa de calar suas bocas, mas os honestos rapazes acabarão sendo eliminados pelos capangas do mesmo por não quererem entrar no esquema. Isto irá tirar a paz da humilde família de Cheng Chao-an, e eventualmente o levará a ter que quebrar a promessa feita por sua mãe de não se meter em confusão.

O que temos aqui, no geral, é bastante sólido. É a história de um operário que, sem querer, tenta ser transformado em um pelego sendo, inocentemente, “seduzido pelo sistema”, quando ganha uma promoção após uma confusão na fábrica após um quebra-quebra. Seus primos começam a desconfiar de seu caráter, sua prima Chiao Mei (Maria Yi), seu amorzinho platônico, o vê saindo de um bordel após ser engabelado e embriagado pelo patrão que se recusa a dizer o paradeiro de sua família. Quando finalmente resolve descobrir o que está acontecendo, o jovem se verá diante de uma verdade insuportável demais para suportar, com consequências por deveras trágicas. A violência, que sua mãe tanto insistiu que evitasse, será a única via que encontrará para dar um basta nisso.

É interessante observar o crescente de violência e morte em que o filme segue. Como dito antes, na primeira parte vemos Cheng tentando “segurar sua onda” para evitar participar de brigas, enquanto seu primo está frequentemente saindo no sopapo com malandros das mais variada espécie. Tudo porque sempre que pensa em agir ele bota a mão no peito e lembra-se da promessa feita à mãe. A música que sempre toca quando o rapaz repete o ato, francamente, se torna repetitiva. É normal nos filmes chineses certo exagero na hora de demonstrar emoções, mas Lo Wei não era um homem de muita delicadeza. Sua habilidade pra cenas de exposição não é a mesma que tinha, no geral, pras cenas de ação. Nem ritmo aliás. Existe um gap de cenas de luta que é relativamente anormal nos clássicos do gênero, mas o filme consegue segurar o trampo. O elenco, formado por figuras conhecidas pelo cinema da época, e até mesmo com participação de alguns que se tornariam notórios no futuro, como um jovem Lam Ching-Ying (MR. VAMPIRE), é carismático. Veremos também figuras que apareceriam em filmes futuros de Lee, como a citada Miao e Tony Liu, que interpreta aqui o ardiloso filho de Hsiao Mi. Por sorte o roteiro, no geral, é bem enxuto, também.

Uma conclusão seca, sem esperanças, mas que não tem como não levantar da cadeira e aplaudir de tão catártico. Longe de ser o melhor exemplar do gênero, se faz necessário certa suspensão de descrença para aceitar uns furos aqui e acolá no roteiro, mas no geral é tudo bem conduzido. Lee com seu carisma consegue segurar bem tanto o drama quanto as belas cenas de ação, e a simplicidade do filme é sim cativante. Um belo começo, sem dúvida.

3 comentários em “O DRAGÃO CHINÊS (The Big Boss, 1971) | REVIEW

  1. Por curiosidade em saber, vc esta familiarizado com a versão original de 1971? A razão que eu pergunto e que existe varias cenas cortadas que geralmente não existem mais nas edições modernas do filme. Existe uma sequencia deletado que acontece antes da luta final: Cheng retorna para o bordel que ele havia visitado anteriormente no filme, e ele cata outra prostituta tailandesa e acaba transando com ela. Aparentemente, esta cena continha a unica cena de nudez que o Bruce Lee filmou em sua carreira.

    https://web.archive.org/web/20170115030957/http://bruceleelives.co.uk/missingboss.html

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